Apresento aqui parte de um artigo publicado por Miguel Sousa Tavares. Acho que vale a pena.
"Um crime na Ota" (por Miguel Sousa Tavares)
"(...) Quanto ao aeroporto da Ota, eufemisticamente baptizado de Novo Aeroporto Internacional de Lisboa, trata-se de um autêntico crime de delapidação de património público, um assalto e um insulto aos pagadores de impostos. Conforme já foi suficientemente explicado e suficientemente entendido por quem esteja de boa-fé, a Ota é inútil, desnecessário e prejudicial aos utentes do aeroporto de Lisboa. E, como o embuste já estava a ficar demasiadamente exposto e desmascarado, o Governo Sócrates tratou de o anunciar rapidamente e em definitivo, da forma lapidar explicada pelo ministro das Obras Públicas: está tomada a decisão política, agora vamos realizar os estudos. Mas tudo aquilo que importa saber já se sabe e resulta de simples senso comum:- basta olhar para o céu e comparar com outros aeroportos para perceber que a Portela não está saturada, nem se vê quando o venha a estar, tanto mais que o futuro passa não por mais aviões, mas pormaiores aviões; - em complemento à Portela, existe o Montijo e, ao lado dela, existe uma outra pista, já construída, perfeitamente operacional e que é uma extensão natural das pistas da Portela, que é o aeroporto militar de Alverca - para onde podem ser desviadas todas as "low cost", que não querem pagar as taxas da Portela e menos ainda quererão pagar as da Ota;- porque a Portela não está saturada, aí têm sido gastos rios de dinheiro nos últimos anos e, mesmo agora, anuncia-se, com o maior dos desplantes, que serão investidos mais meio bilião de euros, a título de "assistência a um doente terminal", enquanto a Ota não é feita;- os "prejuízos ambientais", decorrentes do ruído que, segundo o ministro Mário Lino, afectam a Portela são uma completa demagogia, jáque pressupõem não prejuízos actuais, mas sim futuros e resultantes dese permitir a urbanização na zona de protecção do aeroporto;- a deslocação do aeroporto de Lisboa para cerca de 40 quilómetros de distância retirará à cidade uma vantagem comercial decisiva e acrescentará despesas, consumo de combustíveis, problemas de trânsito na A1 e perda de tempo à esmagadora maioria dos utentes do aeroporto, com o correspondente enriquecimento dos especuladores de terrenos na zona da Ota, empreiteiros de obras públicas e a muito especial confraria dos taxistas do aeroporto. O negócio do aeroporto é tão obviamente escandaloso que não se percebe que os candidatos à Câmara de Lisboa não façam disso a sua bandeira de combate eleitoral e que, à excepção de Carmona Rodrigues, ainda nem sequer se tenham manifestado contra. Carrilho já se sabe que não pode, sob pena de enfrentar o aparelho socialista e os interesses a ele associados, mas os outros têm obrigação de se manifestarem forte efeio contra esta coisa impensável de uma capital se ver roubada do seu aeroporto para facilitar negócios particulares outorgados pelo Estado. A Ota e o TGV, que fizeram cair o ministro Campos e Cunha, são um exemplo eloquente daquilo que ele denunciou como os investimentos públicos sem os quais o país fica melhor. Como o Alqueva, à beira de se transformar, como eu sempre previ, num lago para regadio de campos de golfe e urbanizações turísticas, ou os pendulares do ex-ministro João Cravinho, ou os estádios do Euro, esse"desígnio nacional", como lhe chamou Jorge Sampaio, e tão entusiasticamente defendido pelo então ministro José Sócrates. Os piedosos ou os muito bem intencionados dirão que é lamentável que não se aprenda com os erros do passado. Eu, por mim, confesso que já não consigo acreditar nas boas intenções e nos erros de boa-fé. Foi dito, escrito e gritado, que, dos dez estádios do Euro, não mais de três ou quatro teriam ocupação ou justificação futura. Não quiseram ouvir, chamaram-nos "velhos do Restelo" em luta contra o "progresso". Agora, os mesmos que levaram avante tal "desígnio nacional", olham para os estádios de Braga, Bessa, Aveiro, Coimbra, Leiria e Faro, transformados em desertos de betão e num encargo camarário insustentável, e propõem-nos um TGV de Faro para Huelva e um inútil aeroporto para servir pior os seus utilizadores, e querem que acreditemos que é tudo a bem da nação? Não, já não dá para acreditar. O pior que vocês imaginam é mesmo aquilo que vêem. Este país não tem saída. Tudo se faz e se repete impunemente, com cada um a tratar de si e dos seus interesses, a defender o seu lobby ou a sua corporação, o seu direito a 60 dias de férias, a reformar-se aos 50 anos ou a sacar do Estado consultorias de milhares de contos ou empreitadas de milhões. E os idiotas que paguem cada vez mais impostos para sustentar tudo isto. Chega, é demais!"
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